As maças voam das
mãos do palhaço para o alto e vibram vivas do ardor de um fogo arguto, cuidando
em ludibriar olhos do atento arauto e o palhaço ri seu choro mais astuto. Perdido em fingir que ri e que não chora, o
príncipe aplaude um ato que nem vê. Olhando atento, aplaude a contento,
aplausos aos olhos que lê. Mais a dúvida insiste, penosa e vermelha, se a
lágrima no rosto é de tinta, é de sangue, dispara a centelha. O choro é da arte
ou era do artista, que na pantomima escondia amor? No rosto percebe um sorriso
que à boca escapa. Seus lábios, então, dançam iguais. O príncipe tonto,
encantado do pranto, entusiasmava-se na dor. Era só um recado, um convite
calado a mais uma história de dois.
No tempo oportuno,
se esgueiram no canto e enamorados não espiam os ombros. O palhaço sem a
maquiagem, o príncipe sem roupas pomposas, se abraçam limpos e nus de qualquer
sentença vergonhosa. É que cantam no canto, o príncipe e o palhaço, quietos,
bem baixo, porque só assim podem. É que cantam no canto, o palhaço e o
príncipe, quietos, quase mudos pra que não incomodem. Trocando olhares qual
juras de amores, olhando-se ofertando flores, se tocam de lábios em beijos
amados enchendo um ao outro de cores. Os corpos se apertam querendo fundir-se,
palhaço e príncipe, num só.
E nem desconfiam
que olhos sedentos estejam a tramar desencantos. E inquisidores, os olhos do
clero anseiam encontrar os do rei. Com plano traçado, segredo de Estado,
enforcar o palhaço plebeu.
Então descobertos,
muito desespero, o palhaço sai de malfeitor. A praça lotada: “Coitado do
príncipe! Caiu na falácia de um contraventor. Fingiu-se amigo, fingiu-se
artista, mas era o pior pecador. Pois justo que pague, que pague, o párea, a
concupiscência com a dor, a libertinagem com a corda, pecado nefasto com ardor.
Os pés que o levaram a caminhos sórdidos, justo é que pisem o ar, enquanto a
cabeça pendendo de presa o arraste da vista de vez.”
E o tão sorrateiro
moinho vermelho ali também se levantou, triturou os grãos do desejo festeiro
que o palhaço muito alimentou. O príncipe chora e não esconde a cara agora que
tudo é horror. E lá moribundo, em cima de um banco o palhaço que ele tanto
amou. Queria gritar, dividir a sentença, chamá-lo do nome que tinha em
segredos. Mas o palhaço contente, dispensa arremedos, baixou a cabeça, aceitou.
Feliz ele era pois era o que ia, novas fantasias, levando consigo o amor.
O palhaço encara o
príncipe e seus falantes olhos se põem a conversar. Os do palhaço dizem
sossego, os do príncipe a se desesperar. Mas descansam na suave promessa de
que, um dia, voltam a se encontrar pra viver a história bonita que aquela
praça, hoje, ia enforcar. Os do palhaço pedem que fique, o tanto possível que
conversem, mas carrasco retira o banco, gritam desespero até que emudecem. O
príncipe, então, fecha os olhos e nunca mais os volta a abrir, se mudos os
olhos do palhaço, não há mais nada que ele queira ouvir.